Braintrust da Pixar: sessões de feedback mais enriquecedoras e seguras

A confiança e franqueza são a base de uma das tradições mais importantes da Pixar.

Laís Lara Vacco
UX Collective 🇧🇷

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Um cérebro pulsando com a palavra braintrust destacada dentro.

Raramente algo é brilhante logo de cara. Geralmente, o que consideramos sucesso é resultado de muitas iterações.

Imagine a Pixar que produziu filmes onde brinquedos falavam e ratos preparavam a comida. Parece fácil cair em padrões que engajem uma audiência muito pequena — mas, acabou sendo o oposto: Toy Story e Ratatouille foram filmes que marcaram gerações; e não só de crianças.

Ed Catmull, cofundador da Pixar, fala que os filmes do estúdio não são bons de início e o trabalho deles é fazer com que se tornem bons — ou passar do “ruim para o não-ruim”.

E é através do Braintrust que as equipes da Pixar aprimoram suas ideias.

Sobre o Braintrust e minha experiência em times de tecnologia

No livro Creativity, Inc, Ed Catmull apresenta a metodologia Braintrust que surgiu de forma espontânea e se tornou essencial para o processo criativo dos filmes da Pixar.

O Braintrust surgiu especificamente entre cinco líderes que trabalharam juntos na produção do Toy Story. Esse grupo foi exemplo de como um time funcional deveria ser: engraçados, focados, inteligentes e extremamente sinceros entre si. Eles não deixavam as questões estruturais ou pessoais atrapalharem a comunicação.

Quando ouvi sobre essa metodologia pela primeira vez, estava trabalhando como designer de produto em uma empresa estrangeira com equipes distribuídas globalmente. Os projetos que participei geralmente envolviam diversas áreas e nós tínhamos sessões de Braintrust semanais.

Nelas, conseguíamos alinhar todos os envolvidos de diferentes áreas, não somente de design, e promover um ambiente onde o feedback sincero era bastante valorizado.

E foi lendo o livro Creativity, Inc. que tive mais contexto do que estávamos fazendo ali.

Essa experiência me marcou, pois foram poucas as empresas que trabalhei onde times eram tão sinceros e, ao mesmo tempo, produtivos em sessões de feedback. E mostrou o potencial dessas sessões para melhorar a comunicação e a colaboração das equipes de tecnologia, especialmente em contextos complexos e multidisciplinares.

Mas afinal, o que é um Braintrust?

O Braintrust é uma sessão síncrona com um grupo de pessoas que se reúne periodicamente para discutir ideias e dar feedback umas às outras, e busca melhorar o trabalho em equipe e, consequentemente, a qualidade dos projetos.

Como ele se difere de outras sessões de feedback?

Ele é diferente por ser um grupo de colegas que confiam uns nos outros e que não estão interessados em receber crédito por uma ideia ou em parecer bem para o chefe.

Animação de uma pessoa sentada na frente de um computador com balões de conversa surgindo, como se ela estivesse recebendo feedbacks não construtivos. Cada feedback apresenta um padrão, como o ego, as preferências pessoais e o poder hierárquico.

O propósito é se dedicar à análise criativa, resolução de problemas e análise, pois se importam com a qualidade do filme (ou do projeto em si).

Mais abaixo falo dos princípios do Braintrust, que buscam evitar os tipos de feedbacks compartilhados na ilustração acima.

Por que o Braintrust é importante?

Segundo Ed, a franqueza (candor) é essencial para o processo criativo. Criar um ambiente onde a franqueza seja possível é importante para que os diretores e as equipes criativas possam dar e receber feedback direto e construtivo, elevando a qualidade de todos os produtos no processo.

“Uma marca de uma cultura criativa saudável é que seu pessoal se sente livre para compartilhar ideias, opiniões e críticas. A falta de franqueza, se não for controlada, acaba levando a ambientes disfuncionais.”

— Ed Catmull

O Braintrust foi uma das formas que a Pixar encontrou para alcançar esse nível de franqueza.

“O Braintrust é uma das tradições mais importantes da Pixar.”

— Ed Catmull

A equipe do Braintrust é construída com base em confiança e franqueza.

Cada membro está focado em identificar e resolver problemas, e eles estão focados em analisar o produto em questão, sem agendas ocultas.

Foque nos princípios

Ilustração de três pessoas sorrindo olhando para um papel grande escrito princípios.

Esse é um resumo e interpretação pessoal do que entendi serem os princípios principais do Braintrust:

  • Todos estão no mesmo barco: todos compartilham a mesma paixão e interesse pelo projeto
  • Honestidade brutal: todos são encorajados a dar feedback honesto e crítico, sem medo de ofender ou ser ofendido
  • Foco no objetivo: o objetivo final é o melhor resultado para o projeto, e não o ego, em parecer bem para os chefes, ou a opinião de cada indivíduo
  • Sem hierarquia ou autoridades: a pessoa apresentando não precisa seguir nenhuma das sugestões específicas dadas. Cabe a ela descobrir como lidar com o feedback.

“As reuniões de braintrust não são de cima para baixo, do tipo faça isso ou outra coisa. Ao remover do Braintrust o poder de impor soluções, afetamos a dinâmica do grupo de maneiras que acredito serem essenciais.”

— Ed Cadmull

Como fazer um Braintrust

A riqueza do Braintrust está nos princípios compartilhados acima. Qualquer equipe pode fazer da forma que desejar, tendo aqueles princípios em mente, e ir adaptando.

Uma sugestão de formato, baseado na experiência que tive, é a seguinte:

1. Agendamento e seleção dos participantes

A pessoa interessada em receber feedbacks agenda uma reunião com as pessoas que ela acredita ser importante para aquele projeto.

Pode ser pessoas de qualquer área. Dependendo do projeto, é importante já enviar links e informações com antecedência para os participantes terem tempo de reflexão.

2. Introdução rápida

No início da reunião é ideal compartilhar um contexto sobre o projeto para todos os participantes.

Não é um pitch, e sim contexto. Dessa forma evitamos enviesar as pessoas sobre o projeto.

Nesse momento, informe a agenda da sessão, o objetivo do projeto e onde deseja receber feedback. Se o foco não for o visual, por exemplo, avise. Assim, ninguém gasta tempo comentando algo que não é relevante para o momento.

3. Tempo para analisar em silêncio

Coloque um temporizador, entre 7 a 10 minutos dependendo do projeto, para as pessoas analisarem o projeto em silêncio (isso ajuda a evitar pensamento em grupo ou groupthinking).

Lembre-se de avisar quando estiver faltando 1 ou 2 minutos para acabar. Músicas de fundo ajudam a inspirar e relaxar. Cuidado com o estilo da música para não atrapalhar o foco.

4. Uma pessoa por vez para compartilhar os feedbacks em voz alta

Após o tempo de análise em silêncio, convide a primeira pessoa a compartilhar os feedbacks em voz alta.

5. Faça anotações

Este não é o momento de tirar as dúvidas que surgirem, nem de argumentar ou se defender do que a pessoa falou.

Anote os feedbacks (ou peça com antecedência para alguém anotar).

Agradeça os feedbacks e convide outra pessoa para falar.

Não responda a nenhum feedback ainda.

6. No final, fale o que desejar

Quando todos tiverem falado, se tiver tempo, use os minutos finais para se pronunciar.

Foque primeiro nas dúvidas que ficaram, agradeça a colaboração de todos e também reconheça o que achar válido (ex.: alterações que deseja fazer ou insights gerados).

Bônus 🎁

Caso seja sua primeira vez fazendo um Braintrust, separe alguns minutos para introduzir os princípios ao time. Lembre-se que eles são a base dessas sessões.

Se desejar, copie o modelo abaixo criado no Figma para utilizar na apresentação introdutória.

Capa colorida escrita Braintrust, sessões de feedback, com um seta apontando para uma prancheta onde está escrito a agenda da sessão.

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