5 experimentos de vida sob a lente do design

Como fiz para maximizar meus valores fazendo experimentos e criando novos hábitos

Laís Lara Vacco
UX Collective 🇧🇷

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#PraCegoVer Três círculos coloridos (azul, rosa e amarelo) escrito dentro deles: desenhe sua vida, com setas não lineares saindo de uma palavra para a outra

Como designers de produto, frequentemente tratamos de problemas complexos. Por saber que não existem respostas certas para esses problemas, reconhecemos nossos vieses, levantamos hipóteses e tentamos validá-las da forma mais simples possível. Então acompanhamos esses experimentos, em curtos ciclos de feedback, para aprender o que poderia ser melhorado ou se é seguro seguir da forma que está.

E se trouxéssemos essa mentalidade para o dia a dia? 🤔

Na Universidade de Stanford existe uma disciplina chamada Desenhando sua Vida (em inglês, Designing Your Life), criada em 2010 pelo diretor do programa de Design de Stanford, Bill Burnett.

A disciplina foca justamente em trazer o olhar do design para a vida.

Ela ficou tão popular que escreveram um livro chamado Designing Your Life, que também inspirou teses de doutorado e a minha própria transição de carreira para a área de UX Design.

No início do livro, os autores mencionam algumas crenças disfuncionais, que são mitos que nos impedem de desenhar a vida que desejamos.

Um exemplo de crença disfuncional é:

“Se você for bem-sucedido, será feliz.”

No design questionamos as coisas como são e ressignificando as crenças, nesse caso, ela ficou:

“A verdadeira felicidade vem de projetar uma vida que funcione para você.”

A ideia é projetar experiências de acordo com nossos contextos e valores.

Foi buscando maximizar meus valores que comecei a ressignificar algumas crenças e fazer experimentos no dia a dia.

Neste artigo apresento esses experimentos sob a lente de design. O objetivo é compartilhar a mentalidade do design e, quem sabe, inspirar mudanças.

“Se você faz parte de um sistema que você deseja mudanças, você faz parte do problema.”

— Gray, Dave. Liminal Thinking: Create the Change You Want by Changing the Way You Think

Definindo valores a serem maximizados

Começar pelos princípios ou valores funciona como um guia para ajudar a tomar decisões em direções significativas, especialmente em períodos de incertezas.

“Você vê, um grande designer começa com os porquês. Ele transmite os princípios por trás de seu pensamento e deixa você com a sensação de que entende os valores centrais dos quais fluem todas as suas decisões de design.”

— Julie Zhuo, ex-designer de Produto do Facebook, no artigo A matter of Principle.

Isso não quer dizer que os valores permanecem os mesmos. Valores podem mudar. Desenvolver um valor significa aprender o que é importante em determinado contexto. Isso no dia a dia é apreciação, que significa apreender o valor das coisas.

Dizer que apreciamos algo significa que notamos a sua importância.

E gastar mais tempo com o que nos importa significa gastar menos tempo com outras coisas. O processo de dizer não é a “essência da estratégia”, como Dan Olsen coloca em seu livro The Lean Startup Playbook:

Ao especificar as necessidades que seu produto atenderá, você também estará decidindo os outros benefícios que ele não atenderá.

Pode ser difícil para algumas pessoas dizer: ‘Não, seu produto não resolverá esse problema’ — mas essa é a essência da estratégia.”

— Dan Olsen, The Lean Product Playbook.

Você deliberadamente resiste à tentação de atender a mais necessidades do que deveria. Isso no dia a dia parece a questão de evitar agradar a todos.

Os princípios de design funcionam da mesma maneira e nos ajudam a ter respostas lógicas para cada decisão.

Card sorting de valores

Fiz uma dinâmica de card sorting para explicitar meus valores. Usei como referência os valores mencionados no livro Listening Well de William Miller.

As categorias são:

  • Os mais importantes
  • Muito importante
  • Importante
  • De alguma forma importante
  • Não é importante.

Somente 10 valores ficam na lista de “Os mais importantes”.

A segunda coluna de “Muito importante para mim” foi minha maior coluna e abaixo está a foto (com baixa qualidade) do resultado:

#PraCegoVer Papéis recortados em formato retangular com os valores e descrição escrito neles. Todos enfileirados em 7 grandes colunas. Há um pote de pipoca no canto direito inferior da foto.

Dentre os valores mais importantes para mim, esses foram os que escolhi maximizar:

  • Aceitação
  • Simplicidade
  • Desapego
  • Disciplina
  • Aprendizado
  • Consciência
  • Autoquestionamento.

Abaixo estão os experimentos que busquei maximizar esses valores.

📵 Deixando as redes sociais

Contexto do problema

As redes sociais facilitam interações sociais e algumas outras ações. Porém, essa troca tem um custo. As plataformas são desenhadas para prender nossa atenção e favorecem a criação de hábitos muitas vezes desalinhados com nossos valores, mantendo o alto engajamento nas redes.

“[…]

Como usuários, acabamos agindo e socializando de maneiras em que não acreditamos e depois lamentamos. Agimos contra nossos valores: procrastinando do trabalho, evitando nossos sentimentos, refletindo sobre as opiniões de outras pessoas, participando em uma multidão odiosa reagindo às notícias, e assim por diante.”

Joe Edelman

Frequentemente eu tinha a sensação de que meu tempo não havia sido bem gasto depois de usá-las. Essa sensação também foi apontada na pesquisa do Human Center Technology em parceria com o aplicativo Moment, que mostrou o período de uso e a sensação das pessoas após usar as redes:

Facebook:

  • 😀 Feliz usando por 22 minutos por dia, e
  • 😔 Arrependida usando por 59 minutos.

Instagram:

  • 😀 Feliz usando por 26 minutos por dia, e
  • 😔 Arrependida usando por 54 minutos.

WhatsApp:

  • 😀 Feliz usando por ~25 minutos por dia, e
  • 😔 Arrependida usando por 60 minutos.

Frequentemente eu caía na armadilha de ficar horas nas plataformas em vez de minutos como o planejado. Isto é comum, visto que elas têm funcionalidades que se aproveitam das vulnerabilidades humanas para promover comportamentos que as favoreçam.

Minha jornada com as redes sociais era mais ou menos assim:

#PraCegoVer Uma linha pontilhada em cinza vai do início do dia, ao acordar, até o final do dia, ao dormir. Bolinhas pretas representam as atividades que aconteciam durante o dia, como tomar banho ou ir ao trabalho. Linhas amarelas são frequentes (17 vezes) durante toda essa jornada e representam o período gasto olhando ou postando nas redes sociais.

Minha atenção ficava fragmentada. Durante alguma atividade havia pausas frequentes para olhar as redes sociais. Isso diminuía meu tempo de foco e aumentava minha ansiedade.

“O recurso escasso do século XXI não será a tecnologia — será a atenção.”

— Mark Weiser

Ao tentar fazer projetos ou atividades que exigiam atividades mentais, essa troca de tarefas poderia custar até 40% do meu tempo produtivo, segundo a pesquisa feita pela Meyer, Evans e Rubinstein.

E após uma interrupção demora cerca de 25 minutos para retornar à tarefa original, segundo Gloria Mark.

#PraCegoVer Linha preta representando uma hora seguida de atividade. Durante essa hora existem diversas interrupções representados por uma linha amarela para checar as redes sociais. O período máximo de foco é pequeno em relação à hora pretendida inicialmente.

As notificações eram como pequenas premiações surpresas, que favoreciam olhar o celular de tempos em tempos.

O corpo recompensa esse hábito liberando dopamina, criando o ciclo vicioso de checagem do celular. O ex-profissional da Google, Tristan Harris compara o processo de checar o celular com as máquinas viciantes de caça níquel.

Hipótese

Eu tinha a hipótese de que se eu deixasse as redes sociais eu poderia:

  • Maximizar meus valores
  • Diminuir minha ansiedade
  • Focar em atividades significativas para mim

Validação

Em 2017 deletei todas as redes sociais: Instagram, Twitter, Facebook, Whatsapp e Snapchat.

Na época também deixei de usar smartphone.

3 anos sem redes sociais

Faz três anos que sigo sem as redes sociais mencionadas acima e minha jornada ficou mais ou menos assim:

#PraCegoVer A linha pontilhada em cinza vai do início do dia, ao acordar, até o final do dia, dormir. As linhas amarelas que representavam o período gasto olhando ou postando nas redes sociais sumiram. Agora existe uma linha verde que representa olhar ou postar no Linkedin, Dribble ou Medium e está presente em 4 pontos da jornada.

Agora tenho menos fricção (acessos constantes às redes sociais ) e carga cognitiva (pendências e notificações a todo momento), consigo ter períodos maiores de foco e presença. As redes que continuo olhando ou postando, seguem alinhadas com meus valores.

Também reduzi minha ansiedade e sensação de estar perdendo algo importante, também conhecida por FOMO, Fear Of Missing Out (em português, medo de perder algo).

🎯 Aprendizados e impacto

Deixar as redes sociais foi o primeiro passo, sustentado por uma rotina que favorecia períodos de atenção em atividades importantes para mim, como nutrir relações, estudar, fazer exercícios, refeições para a semana, desenhar e descansar.

Meu marido escreveu sobre nossa rotina aqui.

O hábito de acompanhar e postar nas redes sociais foi substituído por leituras e escritas. Isso tem gerado trocas valiosas.

Aprendi a estar mais presente e também a estar em um lugar somente por estar, sem intenção de compartilhar o momento.

📵 📲

Sobre o smartphone, fiquei cerca de dois anos sem e voltei a usar em 2019.

O principal motivo foi o acesso fácil aos aplicativos para serviços do dia a dia, como pagamento de contas, mapas e de mobilidade urbana.

Escolhemos o celular Redmi Go com 8GB de memória. As limitações dele nos força a sermos intencionais no uso. Às vezes é preciso deletar um aplicativo para baixar outro e também não é possível usá-lo com outras abas abertas sem que o celular trave.

Sigo sem Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter e SnapChat, desde junho de 2017. Como tenho poucos aplicativos, perdi o hábito de olhar o celular frequentemente.

Artigos que escrevi na época relacionados a esse experimento

Artigo sobre quando deixei as redes sociais:
(Versão traduzida para o Português pelo Google Translate)

Meu processo de migração para a área de UX logo após esse experimento:

🌱Mudando para uma alimentação integral baseada em plantas

Contexto do problema

Desde pequena tive colesterol alto e os médicos diziam ser hereditário. Comecei cedo a observar o que eu comia e tinha grande dificuldade em controlar os doces.

Com 14 anos deixei de comer carne vermelha e um tempo depois, parei com a carne branca. Segui por 12 anos em uma alimentação ovolactovegetariana — exclusão de todos os tipos de carnes vermelhas ou brancas mantendo derivados de animais como leite, queijo e ovos.

Quando conheci meu marido ele seguia uma alimentação integral baseada em plantas (em inglês: Whole Food Plant-Based Diet). Ela é vegana e exclui todos os derivados de animais e vai um pouco além: exclui qualquer tipo de óleo e evita ao máximo os industrializados ou refinados.

Hipótese

Com uma alimentação integral baseada em plantas conseguirei maximizar meus valores, diminuir meu colesterol e controlar meu desejo por doces.

Validação

Esse experimento foi mais difícil do que eu esperava. Logo de início percebi algumas barreiras:

  • Paladar viciado em alimentos de origem animal (ex. queijo e leite), açúcar e condimentos que realçam o sabor da comida
  • Desejo grande de variação de alimentos — eu não sabia cozinhar nessa alimentação
  • Hábito de cozinhar com óleo, ovo, leite e farinha branca
  • Hábito de comer fora de casa, socialmente com parentes e amigos

Substituir os alimentos de origem animal por integrais de origem vegetal

Para exemplificar as diferenças entre ambos tipos de alimentação e comparar tanto as refeições diárias quanto os alimentos entre as refeições, fiz o diagram de bloco (em inglês block diagram) abaixo:

#PraCegoVer Ao lado esquerdo um quadrado com o título de Alimentação ovolactovegetariana com emojis de ovos, leite, queijo, bolo, vegetais e frutas. Dentro desse quadrado existem 2 retângulos. Um com o título de refeições diárias e outro Alimentos entre as refeições. Nas refeições diárias existem quadrados dentro escrito: grãos, cereais e massas, verduras e legumes, laticínios e um retângulo menor representando a soja. No retângulo de Alimentos entre as refeições, tem outros retângulos escrito: pães, alimentos ultra-processados, frutas, sementes e cereais e depois laticínios. Ao lado direito outro quadrado com o título Alimentação integral baseada em plantas, com dois retângulos novamente um das Refeições diárias e outros dos alimentos entre as refeições. Dentro de refeições diárias tem: grãos, cereais e massas integrais, verduras e legumes e frutas. No de alimentos entre as refeições tem dois retângulos menores escrito: grãos e cereais e em outro retângulo: frutas.

Nos primeiros dias seguindo essa alimentação comprei queijo vegano para tentar substituir o que eu comia. Ele foi bem mais caro do que os queijos que eu comprava e não lembrava o sabor do queijo. Minha referência de sabor era o que vinha comendo há anos, os queijos de origem animal, e eu ainda não enxergava minha alimentação sem ele.

Levou um tempo até que meu paladar se adaptasse aos novos sabores e que eu pudesse superar o meu possível vício aos laticínios, me vendo sem ele na alimentação.

Estudos indicam que laticínios, como o leite e queijo, contém uma substância chamada caseína que, resumidamente, possui moléculas de ópio dentro dela. Quando consumimos esses alimentos, os fragmentos dessa proteína se juntam aos mesmos receptores do cérebro que a heroína e outros narcóticos.

“Eles não são fortes o suficiente para prendê-lo, mas são fortes o suficiente para fazer você voltar para mais, mesmo enquanto suas coxas estão se expandindo diante de seus olhos.”

— Dr. Neal Barnard, autor do livro A Armadilha do Queijo

Mudar para uma alimentação simples como a integral baseada em plantas deveria ser um passo simples, mas não foi bem assim. Depender somente da força de vontade, sem mudar a rotina, não funcionaria.

“Políticas viciantes são traiçoeiras, porque são fáceis de vender e simples de se apaixonar.”

— Donella H. Meadows, Thinking Systems

Alguns estudos descobriram que tentar ensinar as pessoas a resistir às tentações só tem ganhos a curto prazo ou até mesmo podem ser um fracasso.

Se a ideia é comer menos doces mas você tiver uma pilha de brigadeiros, os pesquisadores dizem que a pilha de brigadeiros já ganhou.

“Nós tendemos a pensar em pessoas com grande força de vontade como pessoas capazes de travar essa batalha efetivamente. Na verdade, as pessoas realmente boas em autocontrole nunca enfrentam essas batalhas.”

— Kentaro Fujita, psicólogo que estuda autocontrole na Universidade Estadual de Ohio.

Nesse estudo, as pessoas que disseram ser melhores em autocontrole relataram ter menos tentações durante o período do estudo, não por causa do autocontrole em si, mas porque eles estruturam suas vidas para experienciar menos tentações.

“As pessoas que são boas em autocontrole parecem estar estruturando suas vidas de maneira a evitar ter que tomar uma decisão de autocontrole em primeiro lugar … E estruturar sua vida é uma habilidade. Pessoas que realizam a mesma atividade — como correr ou meditar — no mesmo horário todos os dias têm mais facilidade em atingir seus objetivos, diz ele. Não por causa de sua força de vontade, mas porque a rotina facilita as coisas.”

— Kentaro Fujita, psicólogo que estuda autocontrole na Universidade Estadual de Ohio.

Ter rotinas e princípios que favorecessem esse tipo de alimentação foi essencial nesse processo, já que não bastava eu saber que vegetais são mais saudáveis, eu precisava entender e promover esse comportamento.

Algumas ações importantes dessa etapa:

Identificar o porquê de seguir essa alimentação

Se você é da área de produto deve ter ouvido falar do Círculo Dourado (Golden Circle) de Simon Sinek. A ideia é basicamente começar pelo "por quê", em vez de começar pelo "como" ou "o quê".

“Com ‘por quê’ eu quero dizer:

Qual seu propósito?
Qual é a causa?
Qual é a sua crença?
Por que sua organização existe?
Por que você sai da cama pela manhã?
E por que alguém deveria se importar?”

— Simon Sinek, How great leaders inspire action

Entender as razões pelo qual se faz algo ajuda as pessoas a se incentivarem e motivarem.

Eu queria maximizar meus valores, mas entendendo o propósito específico para essa alimentação, que estava sendo desafiadora pra mim.

Na época, comecei a ler diversos conteúdos relacionados a essa alimentação e também a experimentar receitas.

Cheguei a diversos porquês que faziam bastante sentido para mim. Nesse artigo compartilhei eles:

Aos poucos a vontade por laticínio passou, mas a vontade por doces nem tanto. Eu frequentemente abria exceções, que embora fossem veganas e integrais, eram cheias de açúcar e algumas com certa gordura, como tahine, brownie vegano, açaí, goiabada e paçoca.

Tornar visível as exceções

Para que as exceções não se tornassem a nova regra, eu e o meu marido registrávamos as refeições para lembrar quando elas aconteciam. Torná-las visíveis me ajudava a lembrar a frequência que elas aconteciam. Do contrário era fácil comer várias vezes sem perceber quando de fato isso aconteceu.

Aos poucos, as exceções ficaram uma vez por mês.

#PraCegoVer Captura de tela do álbum de fotos do Google Photos com imagens de esfiha vegana de farinha branca, açaí com paçoca,feijoada vegana, banana da terra com goiabada, picolé, brownie vegano de chocolate, pão de forma e goiaba

Estudar sobre a alimentação, aprender e criar receitas novas

Fiquei tão animada com as descobertas que criei um blog para compartilhar os aprendizados. Também comecei a inventar receitas que se assemelhassem com o que eu vinha comendo antes, dessa forma eu pude aprender sobre a alimentação, controlar mais meus desejos e seguir adaptando o paladar.

Algumas criações que fiz durante essa etapa:

E iniciei o hábito de sair com comida na mochila, especialmente em encontros de família para gerar menos trabalho aos anfitriões.

Sobre nossos gastos com alimentação em 2020

No início eu focava em fazer alimentos variados, isso aumentava a complexidade na cozinha e os gastos no mercado.

Com o tempo, passamos a comer de forma menos variada e com alimentos mais próximos do natural (frutas, legumes e grãos). Isso diminuiu a complexidade no preparo dos alimentos e diminuiu os gastos.

Neste texto compartilho nossos gastos com almoço e como preparo as refeições da semana:

Quando o coronavírus chegou, nossa alimentação ficou intencionalmente menos variada, o que levou a uma média de R$445 a menos do que o orçamento inicial de R$1200.

Os gráficos abaixo são dos gastos mensais com mercado para duas pessoas:

#PraCegoVer Gráficos em barras de janeiro a julho de 2020 com o orçamento mensal de R$1200 e gastos de no máximo R$980, tendo como média mensal de gastos R$687

Esses gastos com mercado incluem:

  • Materiais de higiene pessoal e limpeza geral da casa
  • Todos os alimentos que consumimos no mês (não comemos fora de casa)

🎯 Aprendizados e impacto

Hoje em dia seguimos variando pouco a alimentação e focamos em alimentos nutritivos, abrindo raras exceções dentro da alimentação.

Com o tempo percebi que a satisfação não aumenta ao comer alimentos fora da alimentação. O prazer é tão momentâneo que me gera o contrário, insatisfação e questionamentos do porquê comi assim.

Esses limites autodefinidos me ajudaram me tornar criativa e facilitaram nas tomadas de decisões do dia a dia. Como os desejos são cíclicos, seria difícil controlar eles se eu não tivesse uma decisão tomada daquilo que acredito que não devo comer.

Quando deixei de comer doces industrializados por um período e substituí por frutas, a fruta passou a ser minha referência de doces, então percebi que muito do que gosto é o que escolhi gostar e o prazer é relativo.

Depois que as frutas viraram o novo hábito, a satisfação passou a ser a mesma de quando eu comia um brigadeiro. A diferença foi a referência que meu paladar passou a ter.

Logo no início passei grande desconforto com essa mudança de hábito, mas a partir do momento que eles se consolidaram, virou algo automático e meu novo "normal".

Impactos desse experimento alimentar:

  • Diminuição no nível do colesterol — abaixo de 130mg/dl
  • Diminuição no desperdício dos alimentos — próximo a zero
  • Diminuição do tempo fazendo compras ou cozinhando
  • Aumento da satisfação com alimentos naturais — paladar desacostumou com os laticínios e açúcares
  • Aumento na compra de frutas e legumes de pequenos negócios locais
  • Parei com vitaminas diárias para o cabelo e unhas
  • Economia na alimentação — gastos mensais com mercado em torno de R$755 para duas pessoas, incluindo materiais para limpeza da casa
  • Perda de 8 quilos no primeiro ano
  • Maximização dos valores

“Com boa vontade é possível associar sustentabilidade e economia à promoção da qualidade de vida.”

― Mônicka Christi

🧳 Adaptando o guarda-roupas para caber em uma mala

Contexto do problema

Ao mesmo tempo que as roupas são uma forma de expressão, elas também carregam um peso diário de:

  • Excessivas decisões
  • Gastos (muitas vezes triviais)
  • Desejos e insatisfações frequentes
  • Desalinhamento com meus valores

“[…]

A autoestima e o status, portanto, não se referem a valores intrínsecos, como quem você é, o que pode fazer ou o que sabe; são valores extrínsecos, como o que você pode comprar, o carro que dirige, o número de quartos e banheiros em sua casa e os preços de suas roupas.”

— Jacob Lund Fisker, no livro Early Retirement Extreme: A Philosophical and Practical Guide to Financial Independence

Esse consumo é muitas vezes superficial e ficou mais ainda explícito no período de quarentena no qual a categoria “Moda e Vestuário” apresentou uma das maiores quedas, 51%, em relação ao período pré-quarentena segundo a pesquisa #Comprei da Gauge.

As pessoas passaram a se preocupar menos com os outros, evitaram todo o processo de decisão que as roupas trazem e que vou falar logo abaixo.

Para ilustrar esse problema, fiz o diagrama de fluxos (em inglês flow diagram) mostrando o processo de troca de roupa com mais de 30 opções no guarda-roupas:

#PraCegoVer Diagrama começa com tópico de roupa básica em casa. Ao decidir se vou sair, avalio em quatro requisitos para decidir a troca de roupa: temperatura, pessoas presentes, local e humor. Se a roupa atual não atende esses requisitos, decido trocar de roupa. Olho o guarda-roupas e vejo alguns padrões: peças favoritas, peças pouco usadas e peças para algum dia. Se a que desejo está lavando, volto a refletir sobre os requisitos, avalio outra roupa, passo pelo mesmo processo de decisão até que me visto, reflito se estou satisfeita e se não estiver, olho o guarda-roupas novamente. Se estiver satisfeita, saio de casa.

Existem diversas decisões implícitas que muitas vezes geram estresse, frustração e nenhum valor a longo prazo.

Solução

Diminuir o número de roupas, mantendo peças básicas e chaves para o uso diário em diversas temperaturas.

Validação

Em 2017 eu e meu marido viajamos para o exterior sem previsão de volta, então vendemos nossos móveis, carro e diminuímos o número de roupas.

Nesse processo de desapego, ficamos com uma mochila para cada um e foi o suficiente para o dia a dia em diversas temperaturas.

A hipótese aqui era de que conseguiríamos viver com uma quantidade pequena (em relação ao que tínhamos) de roupas.

Concluímos que aquela quantidade era realmente ideal para nós então decidimos mantê-la mesmo quando voltamos de viagem.

Abaixo está a foto da nossa mochila de roupas em 2017/2018.

#PraCegoVer Ao lado esquerdo a mochila preta do meu marido e ao lado direito minha mochila de trilha, maior do que a dele.

Abaixo está o mesmo processo de troca de roupa, dessa vez com 26 peças, meu número aproximado de peças atual:

Diagrama começa com tópico de roupa básica em casa. Ao decidir sair, avalio dois requisitos, em vez de quarto como anteriormente, para decidir a troca de roupa: temperatura e local. Se a roupa atual atende os requisitos, saio de casa, se não, troco de roupas. Então avalio opções do guarda-roupas e vejo se a peça está lavando, se tiver, olho o guarda-roupa novamente. Se não estiver lavando, visto e saio de casa.

Os requisitos para decidir a troca de roupa diminuíram, as pessoas presentes e o humor deixaram de fazer parte desse processo. As opções do guarda-roupas referentes às peças favoritas, pouco ou nunca usadas (nomeada: peças para algum dia), também deixaram de existir.

A foto a seguir nós tiramos em 2019 e ela ainda reflete em grande parte nossas roupas atuais, com exceção de algumas meias e cuecas a menos:

#PraCegoVer Foto tirada de cima de peças de roupas dobradas e setas apotando para as peças indicando o que é cada uma dela. Mais da metade da foto são de roupas minhas e a outra parte do Cali. Minha parte inclui: 4 blusas de frio, 8 camisetas, 3 blusas de manga comprida, 5 calças (2 para o dia a dia, 1 corsário, 2 térmicas), 4 regatas, 2 shorts, 11 pares de meia, 2 meias para andar em casa, 2 toucas, 1 par de luvas, 1 par de chinelo e 1 par de tênis. A parte do Cali inclui: 2 bermudas, 8 camisetas, 1 regata, 1 boné, 1 boina, 8 cuecas, 1 sunga, 4 pares de meia, 1 par de chinelo, 1 par de tênis, 2 jaquetas finas, 1 blusa de manga comprida, 1 cachecol e 1 par de luvas

🎯 Aprendizados e impacto

Atualmente compramos roupas em média uma vez ao ano e esse processo é motivado quando a peça atual está desgastada demais, começa a rasgar ou quando ficamos frequentemente sem opções de roupa, pois as peças estão lavando.

É comum assumirmos que quanto mais opções melhor, mas em um experimento em que os pesquisadores deram várias opções de geléia para as pessoas escolherem, maior era a dificuldade na escolha e menor a possibilidade das pessoas levarem alguma geléia, processo conhecido como paralisia por análise. E as que levavam uma geléia, tendiam a ter menos satisfação com a geléia escolhida, pois ficavam pensando que deveriam ter escolhido outra geléia.

Aquelas que tiveram menos opções de geléia, escolhiam mais rapidamente e se demonstravam mais satisfeitas com suas escolhas.

Ou seja, menos opções, escolha mais rápida e maior a satisfação.

Foi assim com o processo de diminuição da quantidade de roupas. Ter menos opções significou menos escolhas diárias e mais proveito do que tenho. Também menos provável de fazer compras por impulso.

Colocando de forma visual o processo de sair de casa sem critérios para comprar roupas, funcionava mais ou menos assim:

#PraCegoVer Jornada iniciando com ações ao sair de casa, indo para o processo de troca de roupa mencionado mais acima no artigo, resolvendo o que precisa no destino, olhando algumas vitrines de roupas nas ruas, pensando diversas coisas como “que roupa legal!”, “qual o preço”, “aceito pagar esse valor?”, enquanto vai entrando na loja, decidindo se compra, provando a roupa, comprando a roupa por impulso e por fim, guardando no armário pensando que “um dia vou usar”.

Após definir alguns critérios para compra de roupas, o processo passou a ser mais ou menos assim:

#PraCegoVer Processo inicia ao decidir sair de casa, passa pelo processo de troca de roupas simplificado mencionado acima, sai de casa, resolve o que precisa no destino, vê lojas de roupas nas ruas e volta para casa.

Resumo do impacto em ter menos roupas:

  • Menos dinheiro gasto com roupas
  • Menos roupas guardadas sem utilidade
  • Menos tempo escolhendo o que vestir
  • Mais satisfação com as roupas que tenho
  • Menos preocupação com o que vestir
  • Maximizando meus valores

🧼 Deixando de usar maquiagem e esmaltes

Contexto do problema

A possibilidade de maximizar os valores e depender menos de recursos externos foi me motivando, até que cheguei no questionamento do uso de esmaltes e maquiagem.

Alguns motivos que me incomodavam e geravam atritos:

  • Gastos financeiros
  • Tempo na aplicação
  • Diversos produtos testados em animais
  • Favorecimento do status quo
  • Paralisia por análise (ou alta dificuldade de escolha) quando existiam muitas opções
  • Tendência de insatisfação após o uso ou compra
  • Dependência do uso para maximizar autoconfiança e/ou auto estima

Hipótese

Deixar de usar maquiagem e esmaltes me permitirá maximizar meus valores, especialmente a aceitação e o auto questionamento.

Solução

Parar de vez o uso.

Validação

Deixar de usar esmaltes foi algo simples, já a maquiagem foi um processo mais intenso e até inesperado (achei que seria mais fácil).

Antes minha maquiagem incluía: um delineador, um blush, uma base para as olheiras, um lápis de olho e um ou dois batons.

Nos primeiros eventos sociais senti bastante desconforto. Em certo momento parei para refletir sobre meu desconforto e a questionar os motivos possíveis do porquê eu escolhia usar maquiagem em determinadas situações.

Então criei uma tarefa no meu gerenciador de tarefas para revê-los e reler meus valores quando sentia vontade de usar.

Isso tornou explícita minha reflexão e eu escrevia comentários nessa tarefa nos dias mais difíceis. Notei que nesses dias minha auto-estima estava baixa ou eu queria chamar a atenção para outros pontos, que não minhas características naturais. A maquiagem servia especialmente como disfarce ou ferramenta de auto-confiança.

🎯 Aprendizados e impacto

No início do experimento eu considerava a maquiagem básica como sendo meu natural, sem ela às vezes me sentia pálida.

Após o experimento, me sinto tranquila sem o uso da maquiagem independente da ocasião e esse passou a ser o meu novo natural.

O desconforto foi passageiro e as pessoas não parecem notar ou esperar que eu use maquiagem. Mesmo em dias que me sinto pálida, não tenho a necessidade de disfarçar essa aparência.

Um resumo do impacto em deixar a maquiagem e esmaltes:

  • Maximização dos meus valores
  • Aumento da auto estima
  • Economia de dinheiro e tempo.

💇🏽‍♀️ Cabelo curto para facilitar o dia a dia

Contexto do problema

Meu cabelo era grande e chegava na cintura. Por anos ele foi assim, e por demorar a crescer, meu apego aumentava.

Já teve períodos em que tomei vitaminas para tentar acelerar o crescimento e usei Monovin-A no shampoo (vitamina A concentrada de uso veterinário — sim, comprava em Pet Shop).

Quando ele cresceu, dava bastante trabalho, eu fazia tranças para dormir e evitar os nós no dia seguinte. No dia a dia, usava geralmente preso, não gostava de fazer hidratação ou penteados.

O processo de cuidados que eu tinha com o cabelo comprido, está representado abaixo com o diagrama de hierarquia (em inglês: hierarchy diagram):

#PraCegoVer Uma hierarquia de retângulos, sendo o primeiro acima de todos escrito cabelo comprido cuidados frequentes. Abaixo dele, uma sequência com três retângulos menores conectados a ele, um escrito produtos, outro penteados e outro cortes. Em Produtos existem dois retângulos conectados abaixo dele: um de shampoo e outro condicionador. Conectado ao condicionador existe um retângulo escrito: para uso diário desembaraçar e para uso semanal hidratar. No retângulo do meio, de Penteados, três retângulos são conectados abaixo dele: um escrito rabo de cavalo, outro trança e o último solto. No último retângulo, de Cortes, existem dois retângulos menores abaixo dele escrito em casa e no salão.

São diversos processos implícitos envolvendo produtos, penteados e cortes.

Eu já quis cortá-lo antes mas tinha muito receio e apego. Conforme fui ficando mais confortável com os desconfortos passageiros dos experimentos anteriores, como quando parei o uso da maquiagem, senti coragem para cortar.

Hipótese

Cortar o cabelo vai me trazer mais leveza e alinhamento com meus valores.

Solução

Sem conhecer os salões do bairro, fui em uma cabeleireira próxima de casa que disse que não cortaria muito por pena e medo de eu me arrepender.

Ainda assim, a quantidade foi suficiente para doá-lo. Ela disse que se eu mudasse de ideia poderia voltar lá em uma semana que ela cortaria mais e de graça. Voltei no dia seguinte.

Estava gostando da praticidade e, por falta de costume, no início enchia a mão de shampoo e depois percebia que aquela quantidade era desnecessária. Agora precisava de pouco shampoo e já não penteava mais no banho. Fiquei animada e pronta para cortar mais.

Então outro problema surgiu: eu precisava ir ao cabeleireiro todo o mês para manter aquele corte mais curto.

Iterando a solução

Resolvi eu mesma cortar em casa, usando a máquina do meu marido. Dessa forma eu aumentaria a praticidade e diminuiria os custos.

Essa foi a linha do tempo dos cortes de cabelo:

#PraCegoVer Sequência de fotos minhas de perfil mostrando o comprimento do cabelo. Início em outubro de 2018 com cabelo próximo ao cotovelo, depois em outubro de 2018 com corte acima do ombro, em dezembro com cabelo próximo à orelha, fevereiro de 2019 mais curto e em agosto de 2019 raspado

Agora com o cabelo curto, o processo de cuidados ficou mais ou menos assim:

#PraCegoVer Uma hierarquia de retângulos, sendo o primeiro acima e maior de todos escrito: cabelo curto cuidados frequentes. Abaixo dele, dois retângulos menores conectados a ele, um escrito produtos, outro cortes. Um retângulo conecta abaixo de cada um, em Produtos existe o Shampoo abaixo dele e em Cortes existe o retângulo escrito Em casa abaixo dele.

Mais simples e prático no dia a dia.

🎯 Aprendizados e impacto

  • Economia de dinheiro e tempo
  • Menos atrito no dia a dia, mais praticidade
  • Leveza e cabeça fresca no verão
  • Maximização de todos os valores.

Conclusão

Esses experimentos têm funcionado até o momento e atendido ao propósito de maximizar meus valores. Isso não quer dizer que eles sejam definitivos ou que funcione para todos.

Essa é uma trilha contínua de descoberta e entrega, assim como ouvimos no mercado de produto. Pode ser que no momento que você lê este texto eu já tenha experimentado novas coisas e mudado outras.

“Apaixone-se pelo problema” também é uma frase muito usada por profissionais de design, produto e engenheiros de tecnologia, mas gosto da provocação da autora e pesquisadora Indi Young sobre esse ponto:

“Apaixonar-se é divertido (e muitas vezes espontâneo), mas construir um relacionamento duradouro exige muito trabalho.”

Indi Young

Mais do que se apaixonar pelo problema, é sobre tentar construir uma relação a longo prazo em um processo contínuo de aprendizados. Trazendo isso para o dia a dia lembro do processo longo e, às vezes problemático, da criação de hábitos.

Criar um novo hábito leva em média 66 dias, podendo variar entre 18 a 254 dias (dependendo do comportamento, da pessoa e das circunstâncias), de acordo com o estudo publicado no European Journal of Social Psychology.

No início desse processo é comum falharmos. Se estivermos apenas apaixonados ou motivados e, não criando uma relação duradoura com o problema ou com nossos valores, poderemos cair no que a autora Donella Meadows no livro Thinking Systems, chama de arquétipo do “desvio para baixo desempenho” (em inglês drift to low perfomance), que é quando os sistemas não somente permanecem em estado ruim, como seguem piorando.

Essa armadilha do "desvio para baixo desempenho" acontece quando permito que o padrão do meu último desempenho seja a minha referência, então quando falho em fazer algo que acredito, torno essa falha a minha referência.
Dali em diante se inicia um ciclo de feedback que posiciona o sistema em direção ao baixo desempenho.

A saída é manter os padrões de desempenho absolutos, ou seja, manter os padrões desejados em vez de alterá-los toda vez que não consigo seguí-los.

Trazer a intenção do design para o dia a dia é sobre ser intencional enxergando como nossas ações podem gerar impactos a longo prazo, não somente para nós, mas para as pessoas ao nosso redor e ao ambiente.

No início da mudança de hábitos o desconforto era grande e seguir fazendo como antes parecia o caminho mais fácil a curto prazo. Até que meu corpo e mente aceitassem os novos hábitos como sendo naturais, tentei manter a visão a longo prazo, entendendo meus porquês e tendo os valores como guia, algo semelhante ao que fazemos com produtos e nas empresas.

“No design da vida não há escolhas erradas; não há arrependimentos.

Existem apenas protótipos, alguns que têm sucesso e outros que falham.

Parte do nosso maior aprendizado vem de um protótipo com falha, porque então sabemos o que construir de forma diferente da próxima vez.”

— Bill Burnet, Designing your life

O UX Collective doa US$1 para cada artigo publicado na nossa plataforma. Esta história contribuiu para o Bay Area Black Designers: uma comunidade de desenvolvimento profissional para pessoas Pretas que são designers digitais em San Francisco. Por serem designers de um grupo pouco representado, membros do BABD sabem o que significa ser “o único” em seus times de design e em suas empresas. Ao se juntarem em comunidade, membros compartilham inspiração, conexão, mentoria, desenvolvimento profissional, recursos, feedback, suporte, e resiliência. Silêncio contra o racismo sistêmico enraizado na sociedade não é uma opção. Construa a comunidade de design na qual você acredita.

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